Venho ressaltar nesse momento o ótimo trabalho de resgate histórico da vida do meu Mestre Arraia, Aldenor Benjamin, através da pesquisa atenta do nosso historiador Rubens, Gabriel, Thiago Baldez, Tereza e principalmente a Marília por todos os dados minuciosos com nomes, data e locais desta história do Mestre Arraia.
É essa união de energia e de pessoas que de certa forma estão interligados pelo mesmo interesse, que a verdadeira história hoje se faça presente, mantendo vivo esse legado e grande registro da história da Capoeira e nossa em particular de Brasília.
Meu axé a todos e muito obrigado,
Tabosa
Criamos um álbum de fotos e intercalamos com o texto da Marília homenageando seus pai, Aldenor (Mestre Arraia) apresentado no Projeto Saberes dos Mestres In Memorian.
Inventário de memórias afetivas do nosso pai
Nosso pai era um ser especial e genial
Recebeu o nome de Aldenor Carvalho Benjamin
Veio de uma família de muitos A’s
A de Amarílio, Arlinda, Adilson, Áli
A da primeira letra do alfabeto
A de sua palavra preferida “AMOR”
A de Arraia, nosso mestre de Salvador
Foi o primeiro no coração de sua filha Marília
E mestre pioneiro na capoeira de Brasília
Nosso pai nos ensinou a perceber as coisas mais simples
Ver a onda do mar que bate na pedra, ela vai e vem
Escutar seu violão e sentir suas cordas swuingando
Ouvir a beleza e leveza dos sons dos pássaros
Saborear as comidas da Bahia e descobrir que
Acarajé com guaraná no Rio Vermelho é uma das maiores delícias desse mundo
Reverenciar nossas origens e nossas dores
Reconhecer nossos ancestrais, nossa cor e nossa luta
Movimentar nossos corpos com ginga, dança
E sempre ter mandinga, quando necessário
Com ele, não tinha guéri-guéri
Gostava das palavras bem-ditas
Do olho no olho e do afeto trocado
Nosso pai era um ser generoso e visionário
Podia dar tudo o que tinha no bolso (às vezes até do banco)
Se houvesse verdade no pedido
De inteligência rápida e certeira
Passava horas compartilhando pensamentos e conhecimentos
Rememorava causos de infância
Uma possível vocação para seminarista
Uma antiga noiva chamada Amália
Sua incrível paixão pela nossa mãe Fernanda
E a história com sua companheira de vida e netos, Tereza
Nosso pai era terrivelmente curioso e autodidata
Pesquisava em livros de histórias escondidas, de física quântica e filosofia
Gostava de reconstruir nossa árvore genealógica
Entender como o sangue africano e europeu se cruzavam nas nossas veias
Era cheio de teorias e conspirações
Plantou em nós a justiça e nos ensinou a ver as desigualdades
Nos estimulou a buscar força na comunidade e no Universo
E nos dizia “somos todos um”
Embora existam diferentes religiões e partidos políticos
Temos uma missão importante e ela é única
Sua mensagem era sempre de amor e de vida
Nosso pai era sedutor e brincalhão
Recebia com aquele sorriso no rosto e um abraço caloroso
Gostava de estar rodeado de gente e de crianças
Mas quando se enfezava com algo
Era melhor nem discutir, nem rebater
Ou você acabava por se arrepender!
Era preciso deixa-lo falar e falar até se acalmar
Meu grande menino, dizia ter sido meu primeiro paciente
Trazia papai de volta ao menos por um dia
Para ele conhecer suas netas Cora, Luiza e Natália
Ele ia explodir de alegria, posso imagina
Trazia papai de volta ao menos por um dia
Para ele ver como Tereza, sua última companheira
Continua jovem, bonita, forte e cuidando de todos
Trazia papai de volta ao menos por um dia
Para ele sentir como nós, seus filhos, temos muito dele
Apesar de não jogarmos capoeira numa roda
Tentamos manter o Espírito a Arte da capoeira em nossas vidas
Aprendemos a perceber quando é a hora da benção
A hora do chiado do berimbau
A hora de florear e contemplar a plateia
A hora de respirar e caminhar na roda
E quando é hora do compasso e lançar o rabo de arraia
Ou até mesmo um belo de martelo rodado!
Nosso pai nos deixou tanto dele
Apesar da distância e do pouco tempo juntos
Apesar da loucura e da inquietação
Apesar de sua ida tão cedo dessa lida
Muito dele ficou em nós
A Bahia ficou em nós
O amor ficou em nós
A coragem ficou em nós
O Bem ficou em nós
A vida ficou e continuou através de nós
Marília Sobral Benjamin – filha do Mestre Arraia e da professora Fernanda Sobral, mãe
da Cora. Mulher sonhadora, sensível e determinada. Psicóloga do SUS, trabalha com
arte, cultura e Saúde Mental. 19/04/2021
Abaixo Link para a história contada pelo Mestre Tabosa da continuidade do legado e seus discípulos
Mestre Arraia e seus Mestres