Seis de dezembro de 1974, sexta-feira, Academia Tabosa, quadra 505 Sul, sete da noite. Subo as escadas apressado com o coração disparado: era meu batismo de capoeira!
Mal consigo chegar ao vestiário e colocar a malha branca, novinha, colada no corpo que era o último modelo de uniforme lançado na Academia Tabosa. O ruído das pessoas, muitos mestres, muitos estranhos, um frio perpassa a barriga: é hoje! Troco atropeladamente a roupa e corro para o salão da academia, pois o Mestre já anuncia o começo da festa.
Todos se organizam em volta da roda. Parece que não cabe todo mundo e mesmo assim as pessoas se ajeitam e encontram uma maneira de ficarem o mais próximo possível. Berimbaus, pandeiros, atabaques, começam a orquestrar um ritmo afinado, produto de um ensaio que ninguém fez!
Yyêêêhhhhhhhhh!!!!!!! – Grita o Mestre Tabosa.
Aquele grito corta o ar e o tempo e transporta a todos para uma viagem mântrica através da História e reconta todas as agruras que já atormentaram a humanidade. É um grito de dor, contra a dor! A favor da liberdade, contra a escravidão! Exigia o fim do cativeiro, anunciava a festa! Exorcizava todas as diferenças, exigia a igualdade! Respeitava a morte, mas anunciava a vida! Fluía origem era o corpo, mas sua gênese era a Alma!
E o Mestre Tabosa solta a voz e começa a cantar: Ô luanda êh, pandêro! Luana êh Pará… E um coro de cem vozes responde: olêlê!!!!!!
E veio o meu arrepio, o meu primeiro arrepio de capoeira! Uma energia tão grande que os olhos se iluminaram de emoção, o coração disparou mais que o atabaque; a pele fez-se o corpo todo que pareceu expandir, inflado pela emoção e pelo axé!
Aquele eco ainda hoje percorre o meu coração e minha alma… Aquelas pessoas, a maioria pelo menos, não mais se encontram nessa Roda da Capoeira, estão por aí, na Roda da Vida, jogando a sua sobrevivência! Mas, dentro delas, na dimensão transcendental e atemporal do seu Espírito, cada uma guarda aquele eco, aquele grito, aquela roda!
Os Mestres que ali estavam são hoje parte daquele eco.
Meu Padrinho de Capoeira, Mestre Tonhão, onde quer que ele esteja, é hoje parte inseparável da minha vida na Capoeira!
A ele, e a todos os Mestres que estiveram presentes naquele momento, gostaria de poder entregar um prêmio inusitado: aqui está Mestre, o meu orgulho humilde de ter sobrevivido a todos os desvarios, percalços e barreiras que a estrada da vida me aprontou até agora e ter permanecido nessa roda de capoeira! Esse é o troféu mais significativo que posso lhe dar, a minha própria História, contada a partir de sua referência, do seu exemplo e do que você mostrou quando esteve presente naquele momento e que construiu adicionando sua energia àquela roda, àquele batismo, àquele grito, àquele arrepio! Naquele momento, você estava construindo a História da Capoeira, da capoeira de Brasília, do Brasil e do mundo! Você, Tonhão, Tarzan, Melquiades, Tranqueira, Sansão, Clodoaldo, Clodomir, Gil, Pombo de Ouro, Russo, Louro, Arraia, Monera, Adilson, Onça Tigre, Bertinho, Chibata, Vieira, Danadinho, Angoleiro, Fritz, Nenê, Beto, Jacinto, Cordeiro, Cabeludo, Periquito, Gavião, Leoná, Carlindo, Diabo-Louro, Futica, Cascavel, Rui, Alcides, e particularmente a Você, Mestre Tabosa, meu Mestre na Capoeira, e tantos outros, enfim, todos aqueles que fazem essa História, escrita a cada dia no labor dessa grande roda da vida, ao sabor dessa maravilhosa energia, que vem sendo reconstituída em cada um desses que fazem a passagem do bastão para a continuidade da História, da Capoeira, da nossa própria vida! A eles essa homenagem quer chegar, a todos eles!